Crescem os golpes utilizando Inteligência Artificial
Inicialmente, faço um esclarecimento que antes não era necessário, mas atualmente é fundamental. Escrevo eu mesmo essas mal traçadas linhas, digito eu mesmo no teclado as virtudes e deficiências que esse texto possa ter.
Nos habituamos a vídeos, posts e textos criados pela inteligência artificial. Não fazemos mais distinções, aceitamos a mesma voz fazendo narrativas semelhantes, capas de posts padronizadas e texto com argumentos que atendem à nossa encomenda. Escrever de próprio punho, ou de próprio teclado, tornou-se um ato de resistência para alguns ou cringe para outros.
E como a IA vem moldando o dia a dia, não poderia ser diferente com os golpes on-line ou virtuais. A massificação da IA propiciou a organizações criminosas criar verdadeiras fábricas de golpes e criar novos a cada semana, valendo-se sobretudo de dados pessoais vazados ou adquiridos na dark web, a internet subterrânea.
As quadrilhas criminosas hoje são multinacionais, dividem-se em vários países e estão organizadas como empresas, com uma estrutura gerencial e operacional. O sudeste asiático lidera o mundo com organizações que montam call centers robotizados para ludibriar pelo mundo e em diferentes línguas quem atenda um telefonema e esteja com a “guarda” baixa, distraído por algum motivo.
Milhares de trabalhadores, inclusive brasileiros, já foram vítimas de tráfico humano, pela promessa de um emprego e uma vida nova em países como Mianmar, Laos, Camboja, Tailândia, etc. O Itamaraty informa estar ciente do tráfico humano, do aumento significativo dos casos e que atua com autoridades locais para combater e inibir a prática criminosa.
É como enxugar gelo. Ao conseguir resgatar e repatriar milhares de trabalhadores mantidos como escravos, a mão de obra rapidamente é reposta pelas organizações criminosas.
Enquanto isso, muitos parecem ignorar que os golpes digitais se tornaram uma indústria, uma linha de produção. A quase totalidade dos golpes atuais não é mais artesanal, praticado por um estelionatário ou hacker solitário. O lucro só é significativo se o golpe for massificado.
O funcionamento padrão dos golpes começa com amealhar uma base de dados robusta, por exemplo, ter milhões de dados de pessoas do Brasil (ou qualquer outro país), com nome, endereço, telefone e dados documentais. Com essa base em mãos, uma mensagem padronizada, escrita por IA e replicando de forma perfeita mensagens verdadeiras de instituições financeiras ou governamentais, é disparada para milhões de possíveis vítimas.
Você pode ter uma réplica de mensagem bancária apontando alguma tentativa de fraude em sua conta, tentativa de clonagem de cartão bancário ou até mesmo oferta de crédito em condições muito favoráveis. A mensagem pode ser também de algum órgão governamental indicando a concessão de algum benefício social, aposentadoria ou mesmo solicitando que você faça uma prova de vida para não ter seus benefícios suspensos.
Seja qual for a mensagem, ela buscará induzir a vítima a clicar em algum link, teclar alguns dados e números ou ainda entrar em contato em uma central de atendimento. A partir daí, a engrenagem empresarial do golpe irá trabalhar para que um maior percentual de pessoas se tornem vítimas efetivas.
Para não esticar mais o texto, não entrarei no detalhe de cada ponto da operação ou de cada tipo de golpe e sua engrenagem. Mas são golpes cada vez mais complexos e a utilização da IA ainda surpreende e ilude muito as vítimas potenciais.
Enquanto isso, ignorando a velocidade da evolução tecnológica e dos golpes, especialistas continuam dando as mesmas dicas que davam há 5 anos, continuam com considerações superficiais que no fundo dizem apenas “tome cuidado, esteja atento”.
Não à toa, a cada divulgação oficial de dados como, por exemplo, pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o número de golpes dispara, tornando-se o crime com o maior percentual de crescimento no país. Não há crime que cresça 45% ou 50% ao ano, o que vem ocorrendo com os golpes online. Parece evidente que não há efetividade nas dicas, nos conselhos de especialistas e no combate às causas raízes do crime.
Por Francisco Gomes Junior - advogado e sócio da OGF Advogados, formado pela PUC-SP, pós-graduado em Direito de Telecomunicações pela UNB e Processo Civil pela GV Law – Fundação Getúlio Vargas. Foi Presidente da Comissão de Ética Empresarial e da Comissão de Direito Empresarial na OAB.
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