Falta de privacidade mata mais que terrorismo

Falta de privacidade mata mais que terrorismo, o surpreendente alerta de professora de Oxford que escreveu o livro Privacy is Power !

Antes mesmo de você sair da cama ou desligar o alarme do seu celular, muitas organizações já sabem a que horas você vai acordar, onde dormiu e até com quem. E quando você acordar e pegar o celular, eles ainda saberão muitos mais detalhes particulares sobre você: pela música que você toca, eles vão deduzir, por exemplo, seu humor. Até mesmo ligar a máquina de lavar ou fazer café pode revelar informações pessoais. Seus gostos, seus hobbies, seus hábitos, seus relacionamentos, seus medos, seus problemas médicos…

“Eles” sabem praticamente tudo sobre você.

O mundo conectado traz um desafio invisível que afeta de maneiro silenciosa a vida de toda a população mundial. A geração millennium nunca viveu em uma condição diferente, não sabem nem mesmo o que é viver desconectado, pegar um ônibus para ir ver a mãe, o pai ou a avó que a muito não se falam, hoj eé simples pega o celular e faz uma chamada de vídeo e pronto!  O que traz benefício também traz riscos.. pode parecer inofensivo receber ofertas de produtos na sua mídia social preferida, logo após ter feito uma busca no Mercado Livre por um produto similar, ou após consultar os preços na sua loja preferida.
Viver conectado também significa, nos dias de hoje, expor os seus melhores momentos, e as vezes os piores.. contar sobre a viajem da última férias ou mesmo apresentar ao mundo o seu novo namorado/a….
Mas o que isto implica na vida e na privacidade de cada um?

Praticamente tudo o que fazemos é espionado e controlado por empresas que, por sua vez, compartilham todas essas informações pessoais entre si e com vários governos.

Não se trata apenas de venderem os seus dados pessoais, mas do imenso poder de influenciar que isso lhes confere.

Esses assuntos são abordados em Privacy is Power (ou Privacidade é poder), o livro que acaba de ser publicado no Reino Unido pela filósofa mexicana-espanhola Carissa Véliz, professora do Instituto de Ética e Inteligência Artificial da Universidade de Oxford.

Nascida no México em uma família espanhola que teve que deixar a Espanha após a Guerra Civil e encontrar refúgio naquele país, Véliz se interessou por privacidade quando começou a investigar a história de seus parentes em arquivos da Espanha “Fiquei pensando se eu tinha o direito de saber o que meus avós não me contaram sobre a Guerra Civil Espanhola“, explica Véliz à CNN.

Perguntada por que a privacidade é importante,  Véliz diz que “a privacidade é importante porque a falta dela dá aos outros imenso poder sobre nós. Quando outras pessoas sabem muito sobre nós, elas podem interferir em nossas vidas.” … “A privacidade é como a venda que cobre os olhos da Justiça para que o sistema nos trate com igualdade e imparcialidade.” 
Véliz acrescenta que “não somos tratados como iguais: não vemos o mesmo conteúdo online, não nos são oferecidas as mesmas oportunidades, muitas vezes não pagamos o mesmo preço pelos mesmos produtos — graças a algoritmos de sites da internet que usam nossos dados para nos oferecerem informações e produtos diferentes. Se somos tratados de acordo com nossos dados (se somos mulheres ou homens, magros ou gordos, ricos ou pobres) não somos tratados como cidadãos iguais. Privacidade é poder.”
Para Véliz ter as informações das pessoas siginifica poder escrever as regras da sociedade, poder controlar o que as pessoas fazem ou querem, por isto, “Para que a democracia seja forte, os cidadãos devem estar no controle dos dados. É por isso que a privacidade é uma preocupação política — e não apenas individual.”
Véliz alerta que as empresas coletam “tudo que você pode imaginar e um pouco mais”. Dados de todos os tipos pode ser coletados, entre eles: quem são seus amigos e familiares, onde você mora, onde trabalha, com quem dorme, se está sendo infiel ao seu parceiro, sua orientação sexual, suas opiniões políticas, que carro você tem, quanto dinheiro você ganha, quanto gasta, se tem dívidas, se foi vítima ou autor de um crime, o que come, quanto bebe, se fuma, o que compra, se tem alguma doença, o que o preocupa, a que horas vai dormir e a que horas acorda, como você dirige, o que você procura na internet, o que chama sua atenção, qual é o seu humor…. 
Estes dados podem ser usados para as mais diversas finalidades, desde uma simples oferta de produto, como concessão de crédito ou controle populacional. Na China foi criado um sistema de vigilãncia que concede Créditos Sociais baseado no comportamento do indivíduo. A pouco tempo ouvimos aqui no Brasil, mais especificamente em São Paulo que o giverno queria usar os dados de localização do GPS para certificar (ou controlar) as pessoas em quarentena devido ao COVID-19. 

Na realidade, todas essas informações são vendidas a quem oferecer o lance mais alto, tanto no submundo da Dark Net (ou web invisível) até os ‘data brokers’ que compilam dossiês sobre os usuários da internet e os vendem. Estes dados são comprados por empresas de marketing, seguradoras, bancos, empregadores em potencial e até governos e, em alguns casos, criminosos que desejam roubar sua identidade.

Perguntada que dano isto pode causar às pessoas, Véliz afirma que : “Os danos podem ser tanto individuais (alguém roubando seu número de cartão de crédito e comprando algo com ele, ou alguém roubando sua identidade e cometendo crimes em seu nome), quanto danos coletivos (hackeando nossa democracia, como a empresa Cambridge Analytica tentou, enviando propaganda personalizada, incentivando algumas pessoas a votarem e desencorajando outras, ou enviando notícias falsas para confundir a população e gerar desconfiança)”. Véliz completa que “em casos extremos, a falta de privacidade mata: de suicídios por humilhação pública (como aconteceu no ano passado na Espanha) a regimes autoritários que usam dados pessoais para perseguir certos grupos (a China usa dados biométricos e pessoais para perseguir os uigures).”

A busca pelo controle da população não é novo, e a uso inescrupuloso de dados privados também não! Segundo Véliz, “Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, os nazistas usaram registros públicos para procurar judeus. Na França, onde o censo não coletou informações sobre religião por motivos de privacidade, eles encontraram e mataram apenas 25% da população judia. Na Holanda, onde existiam registros muito detalhados de domicílio e religião, eles encontraram e assassinaram cerca de 75% da população judia. A diferença são centenas de milhares de pessoas.”,  Véliz conta que na França onde não existia a informação de religião, foi utilizado a máquinas Hollerith, que funcionavam com cartões perfurados da IBM, e a pessoa que a programou fez com que a coluna de indicação da religião não fosse perfurada salvando assim centenas de milhares de vidas.

Vista dessa forma, a falta de privacidade (indiretamente) causou a morte de mais pessoas do que o terrorismo” afirma Véliz à CNN.

No meu livro de Véliz, ela diz que os dados pessoais deveriam ser tratado e regulamentados “como se fossem uma substância tóxica, porque de certo modo é. Eles estão envenenando nossas vidas, como indivíduos e como sociedades.”

Véliz alerta ainda que “sem privacidade não há garantia de igualdade, nem justiça, nem liberdade, nem democracia. A vigilância em massa é incompatível com o Estado de Direito. A arquitetura da vigilância é perfeita para cairmos em uma sociedade de controle ou com tendências autoritárias. A liberdade de pensamento não pode ser garantida quando tudo o que lemos está sendo observado.” … “A falta de privacidade ameaça nossa autonomia, nossa capacidade de governar a nós mesmos, como indivíduos e como cidadãos.”
 

Sobre Zuckerberg e sua frase de que “a era da privacidade acabou“, Véliz diz que ele “teve e ainda tem interesse financeiro no fato de as pessoas acreditarem que a privacidade é coisa do passado. Mas a privacidade é mais relevante do que nunca.”

“Não devemos nos resignar. Devemos lutar por nossa privacidade, porque há muita coisa em jogo. Nossa forma de vida está em jogo. Nosso futuro e o futuro de nossos filhos.”

Perguntada como podemos reagir e cuidar de nossa privacidade, Véliz diz que “pare de usar o Google; use DuckDuckGo. Pare de usar o WhatsApp; use Signal. Não forneça seus dados pessoais para quem não precisa deles. Se uma empresa pedir seu e-mail e não precisar dele, dê um e-mail falso, assim como você daria um telefone falso para alguém inconveniente que não aceita “não” como resposta. Não viole a privacidade de terceiros: não poste fotos ou mensagens de alguém sem seu consentimento, e não compartilhe nenhuma imagem ou vídeo que viole a privacidade de alguém. Não seja um acessório para vigilância em massa. Evite comprar objetos que se conectam à internet se não for necessário. Eletrodomésticos como máquinas de lavar e chaleiras funcionam melhor se não estiverem conectados à Internet e não puderem ser hackeados.

Véliz conclama ainda que as pessoas informem-se mais sobre o assunto privacidade, que leiam sobre isso, comentem, e exijam que as empresas e seus representantes políticos protejam a sua privacidade, “a privacidade é um direito humano, é um direito tanto legal como moral“, afirma

Para Véliz a garantir a privacidade é dever dos governos e responsabilidade dos cidadãos proteger esse direito, assim como o seu direito à vida é protegido tanto pelo Estado quanto pelas pessoas ao seu redor.

Para quem diz que não tem nada a esconder, Véliz diz qe “você tem muito a esconder e a temer, a menos que seja um exibicionista com desejos masoquistas de sofrer roubo de identidade, discriminação, desemprego, humilhação pública e totalitarismo, entre outros riscos possíveis.”. Para Véliz ” o problema com a privacidade é que muitas vezes não percebemos como ela é importante até que a perdemos e sofremos as consequências. E então é tarde demais.”
A Pergunta agora é: Ainda temos tempo de recuperar nossa privacidade? Para Véliz, nós “estamos na hora certa”. Neste momento, devido novas as leis que se propagam por todo o mundo, podemos proibir a economia de dados, forçar que apaguem nossas informações confidenciais, e “impor deveres fiduciários a qualquer pessoa que manipule nossos dados, de tal forma que os nossos dados só possam ser usados por nós e nunca contra nós, exatamente como acontece com os médicos, que só podem usar o que sabem para nos beneficiar e nunca para nos prejudicar”, e também melhorar nossos padrões de segurança cibernética e muito mais.
Véliz conta que seu interesse pela privacidade começou como um assunto pessoal, pesquisando a história da minha família nos arquivos da guerra civil na Espanha, e as descobertas que fez a levou a pensar se “tinha o direito de saber o que eles não me contaram e se tinha o direito de escrever sobre isso.” . Depois quando ouviu sobre Snowden que revelou que o mundo inteiro estava sendo monitorado eletronicamente por agências de inteligência. Isso a chocou e então começou a investigar a privacidade com mais seriedade.

Após isto, Véliz acabou escrevendo uma tese de doutorado na Universidade de Oxford sobre ética e política de privacidade. “Quanto mais eu leio sobre isso, mais o estado de nossa privacidade me preocupa… Economia de dados é uma boma relógio” , afirma.

 
Fonte: CNN

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